A prudência é a arte; e se acontece que se tangencie a morte ao se desfazer do organismo, tangencia-se o falso, o ilusório, o alucinatório, a morte psíquica ao se furtar à significação e à sujeição. Artaud pesa e mede cada uma de suas palavras: a consciência ?sabe o que é bom para ela e o que de nada lhe vale; e, portanto, os pensamentos e sentimentos que ela pode acolher sem perigo e com vantagem, assim como aqueles que são nefastos ao exercício da liberdade. Ela sabe sobretudo, ate onde vai seu ser e ate onde ele ainda não foi ou não tem o direito de ir sem sobraçar na irrealidade, no ilusório, no não feito, no não preparado...Plano não atingido pela consciência normal mas na qual Ciguri nos permite chegar e que é o próprio mistério de toda poesia. Mas existe no ser humano um outro plano, obscuro, informe, onde a consciência não entrou, mas que acerca de uma espécie de prolongamento sombrio ou de uma ameaça, conforme o caso. Plano que desprende também sensações aventurosas, percepções. São fantasmas desavergonhados que afetam a consciência doentia. Eu também tive cessações falsas, percepções falsas e nelas acreditei.?
É necessário guardar o suficiente o organismo para ele se recomponha a cada aurora; pequenas previsões de significância e de interpretação, é também necessário conservar, inclusive para opo-las ao seu próprio sistema, quando as circunstancia o exigem, quando as coisas, as pessoas, inclusive as situações nos obrigam; e pequenas rações de subjetividade, é preciso conservar suficientemente para poder responder a realidade dominante. Imitem os estratos. Não se atinge o CsO e seu plano de consistência desestratificando grosseiramente. Por isto encontrava-se desde o inicio o paradoxo destes corpos lúgubres e esvaziados: eles haviam se esvaziado de seus órgãos ao invés de buscar os pontos nos quais podiam paciente e momentaneamente desfazer estas organização dos órgãos que se chama organismo. Havia mesmo varias maneiras de perder seu CsO, seja por não se chegar a produzi-lo, seja o produzindo-o mais ou menos, mas nada se produzindo sobre ele e as intensidades não passando ou se bloqueando. Isso porque o CsO não para de oscilar entre superfícies que estratificam e o plano que os libera. Liberem-no com um gesto demasiado violento, façam saltar os estratos sem prudência e vocês mesmo matarão, encravados num buraco negro, ou mesmo envolvidos numa catástrofe, aos invés de traçar o plano. O pior não é permanecer estratificado-organizado, significado, sujeitado- mas precipitar os estratos numa queda suicida ou demente, que os faz recair sobre nós, mais pesados do que nunca. Eis então o que seria necessário fazer: instalar-se sobre um extrato, experimentar as oportunidades que ele nos oferece, buscar ai lugar favorável, eventuais movimentos de desterritorializaçao, linhas de fuga possíveis, vivencia-las, assegurar aqui e ali conjunções de fluxos, experimentar segmentos por segmentos dos contínuos de intensidades, ter sempre um pequeno pedaço de uma nova terra. É seguindo uma relação meticulosa com os estratos que se consegue liberar as linhas de fuga, fazer passar e fugir os fluxos conjugados, desprender intensidades continuas para um CsO. Conectar, conjugar, continuar: todo um ?diagrama? contra os programas ainda significantes e subjetivos. Estamos numa formação social; ver primeiramente como ela é estratificada para nós, em nós, no lugar onde estamos; ir dos extratos ao agenciamento mais profundo em que estamos envolvidos; fazer com que o agenciamento oscile delicadamente, faze-lo passar do lado do plano de consistência. É somente aí que o CsO se revela pelo que ele é, conexão de desejos, conjunção de fluxos, continuum de intensidades. Você terá construído sua pequena máquina privada, pronta, segundo as circunstâncias, para ramificar-se em outras máquinas coletivas. Castañeda descreve uma longa experimentação ( pouco importa que se trate de peyotl ou de outra coisa): retenhamos por enquanto como o índio o força primeiramente a buscar um ?lugar?, operação já difícil, depois a encontrar ?aliados?, depois a renunciar progressivamente a interpretação, a construir fluxo por fluxo e segmento por segmento as linhas de experimentação, devir animal, devir molecular etc... porque o CsO é tudo isso: necessariamente um lugar, necessariamente um Plano, necessariamente um coletivo (agenciando elementos, coisas, vegetais, animais, utensílios, homens, potências, fragmento de tudo isto, porque não existe ?meu? CsO, mas ?eu? sobre ele, o que resta de mim, inalterável e cambiante de forma, transpondo limiares).
lipão/fê escreveu às
9:33:00 PM -