1 EM TODO o momento de atividade mental acontece em nós um duplo fenômeno de percepção: ao mesmo tempo que temos consciência dum estado de alma, temos diante de nós, impressionando-nos os sentidos que estão voltados para o exterior, uma paisagem qualquer, entendendo por paisagem, para conveniências de frases, tudo o que forma o mundo exterior num determinado momento da nossa percepção.
2 Todo estado de alma é uma paisagem. Isto é, todo estado de alma é não só representável por uma paisagem, mas verdadeiramente uma paisagem. Há em nós um espaço interior onde a matéria da nossa vida física se agita. Assim uma tristeza é um lago morto dentro de nós, uma alegria um dia de sol no nosso espírito. E mesmo que não se queira admitir que todo estado de alma é uma paisagem pode ao menos admitir-se que todo estado de alma se pode representar por uma paisagem. Se eu disser Há sol nos meus pensamentos, nimguém compreenderá que os meus pensamentos estão tristes.
3 Assim tendo nós, ao mesmo tempo, consciência do exterior e do nosso espírito, e sendo o nosso espírito uma paisagem, temos ao mesmo tempo consciência de duas paisagens. Ora essas duas paisagens fundem-se, interpenetrando-se, de modo que o nosso estado de alma, seja ele qual for, sofre um pouco da paisagem que estamos vendo num dia de sol uma alma triste não pode estar tão triste como num dia de chuva e, também, a paisagem exterior sofre do nosso estado de alma ? é de todos os tempos dizer-se, sobretudo em verso, coisas como que na ausencia da amada o sol não brilha, e outras coisas assim. De maneira que a arte de que queira representar bem a realidade terá de a dar através duma representação simultânea da paisagem interior e da paisagem exterior. Resulta que terá de tentar dar uma intersecção de duas paisagens. Têm de ser duas paisagens, mas pode ser ? não se querendo admitir que um estado de alma é uma paisagem ? que se queira simplesmente intersecsionar um estado de alma (puro e simples sentimento) com a paisagem exterior.
lipão/fê escreveu às
10:31:00 AM -